sábado, 27 de fevereiro de 2010

A aposta do apóstata


Deitou-se na cama a esperar a chegada dele - ou d'Ele para alguns - sentindo-se exausto, com as pálpebras pesando quinze toneladas cada. Apurou os sentidos e nada. Somente o tráfego.
Mas, apesar de saber que tal momento logo acabaria, insistiu. Afinal, estava bêbado e essa sua embriaguez era simbolismo puro. E do mais bruto significado.
Sempre fora ateu e sempre ouvira de todos que um dia sua fé viria. Ele, então, esperou. Não aguentando a espera, viveu sua vida e apostou no cavalo que estava dando certo: o ateísmo. Apostou contra a metade da humanidade e, por enquanto, estava ganhando.
A questão, porém, é que já estava no que muitos chamam fim da vida e, assim, começou a dar uma chance aos adversários sempre que bebia. Bem, e como se sabe, enchia a cara com frequência. Era um ritual necessário justamente por ser inevitável. E era isso que fazia agora, estirado.
Passados minutos sem aparições ou sermões divinos ele adormeceu e depois sonhou.
No etéreo ébrio lá estava ele exatamente como agora. Frágil, querendo talvez um cantinho mais aquecido no mundo dos velhos rabugentos - porque todo velho rabugento tem a igreja para re recostar -, mas teimoso demais para abandonar-se assim, ao léu. Ou melhor, ao céu.
No sonho, no entanto, apesar de estar bêbado, acorda. Em seguida levanta-se, pega um punhal e fere os dois pulsos. O sangue, então, desce. Mas não chega a sujar o chão, pois logo estava ele deitado outra vez. Agora, de verdade.
Sendo tão antinatural, anticasual, ou anticonvencional, sempre achara o suicídio uma bela forma de morte. Talvez uma maneira de dizer com estilo que discorda de tudo e todos. Mas será que valeria a pena ser tão covarde a ponto de desistir? Quer dizer, será que compensava ter tanta coragem para ser tão covarde?
As perguntas, porém, não foram respondidas. Bukão já estava rindo outra vez. Rindo por saber que, se fosse se matar, não seria cortando os pulsos e perdendo a chance de empunhar um copo repleto de álcool e fazer um belo e descarado brinde à vitória antes de morrer.
Sabia, apesar de tudo, que ganharia a aposta.

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