quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Adeus, Fadiga

Sempre fui adepto de brandir a espada e dissipar o véu da trivialidade.
Hoje, como sempre, foi assim.
Porém, com mais força:

Fadiga é um senhor engraçado, de sorriso amarelo.
É o típico fumante falso que, ao invés de realmente fumar e se deleitar com a fumaça esparsa e dançante, deposita no cigarro toda a vontade de pôr fim ao fardo que carrega. Tem a pele morena, os olhos verdes e aparenta ter 60 anos, mas acaba de completar 40 no hospital.
É mais um peixe engolido pelo mar de gente; o sujeito que larga o Nordeste em busca de águas mais alentadoras e, ao chegar aqui embaixo, só encontra uma lata de sardinha na qual se espreme com outros tantos conterrâneos.
Iletrado, como muitos filhos deste solo, seu Francisco (como o Velho Chico e seu leito seco) iniciou-se na labuta trabalhando com pequenos biscates alguns dias da semana. Os resultados financeiros eram decepcionantes se comparados aos esforços que fazia: carregava e descarregava a mercadoria que brotava por aí, nesse Brasil gigantesco e desconhecido. A mesma carga que ele levava nas costas ia parar em grandes supermercados que, por sua vez, serviam milhares de habitantes dessa metrópole tão distinta.
Mas ele pouco se importava com a exploração e as injustiças contidas nas ruas daquela cidade grande, pois o seu suor só o fazia concluir que não conseguiria sustentar sua mulher e seus 6 filhos, lá no distante Pernambuco.
Enfim, depois de resignar-se e humilhar-se, conseguiu um bom emprego e foi aí que cruzou nosso caminho e se tornou o contador de histórias oficial da loja. Foi aí que compartilhou conosco dias de movimento e trabalho árduo. Dias que, muitas vezes, parecim se repetir numa sequência insuportável.
Levava a vida lentamente, apesar de tanto trabalho e sofrimento. Ou melhor, parecia não trabalhar e não sofrer. E era isso o que mais intrigava.
Porém, seu Fadiga (apelido dado devido ao seu jeito lento e amigável) era homem, frequentava 'inferninhos' e, como tanto cabra macho por aí, padeceu.
Apesar de tanta bravura, seu corpo, por fim, se cansou. Foi internado, viu a morte de perto e voltou pra contar mais uma história.
Esse poderia não ser o fim de sua vida, mas era o fim dele nessa terra de concreto frio e sonhos jogados fora.
Era hora de voltar, então. Voltar pra sua realidade e sua vida repleta de superfície rasa.
Era hora de voltar pro sertão e nadar contra a maré. Maré de gente ou de azar, não se sabe ao certo, pois o que importava agora era voltar não só pro sertão, mas também para o ostracismo. Lá, no desconhecido lugar chamado esquecimento.
Ele parte e deixa bem visível que a coragem não está somente na vontade de realizar os sonhos, mas também no reconhecimento da desilusão.
Fadiga é a personificação do heroísmo.

Um comentário:

Anônimo disse...

É, reconhecer o próprio fracasso e desilusão é coisa para poucos...
Tem que ser forte e humilde para tanto despreendimento, pois os olhos de todos querem ver sucesso e, ou até, um fracasso disfarçado de sucesso...
Eita realidade que não me larga...
Quisera eu viver minha singularidade de forma plena e da forma que EU quero, mas como ficam as aparências?
Sei lá...
Um grande beijo
e você está escrevendo bem pra caramba, heim?
Tia Mó