"Diante da cadeira de balanço havia um quadro escuro na parede. Mostrava uma caveira e uma ampulheta esvaziada, uma vela consumida, um livro gasto e outros sinais de decomposição. Andréia notou que eu olhava o quadro e disse:
- Foi Adrian van Utrecht quem o pintou. No século XVII. Naturalmente, é uma reprodução.
- Conheço esse tipo de quadro - disse eu - Chama-se Vanitas. A Biblia diz: "Vaidade das vaidades, tudo é vaidade".
- No livro está escrito: "Memento Mori, quer dizer, 'Lembra-te da morte!' São chamados também de quadros memento mori. Pendurei-o ali de propóstio, Gato. Para poder vê-lo quando olho muito tempo para árvores. - Abraçou-me outra vez e disse: - Porque nós, pessoas, temos muito pouco tempo, querido. Não é uma coisa horrível?"
Sim. É realmente horrível, minha querida Andréia.
É horrível perceber que muitos tremem ao ver a morte ali, nos observando. Isso os faz olhar em outra direção e ignorar a nossa companheira final. Não devia ser assim, concorda?
Deveríamos deixar nosso inegável fim por perto, como um livro na estante. Assim poderíamos encará-lo a todo momento e, por vezes, consultá-lo para absorver um pouco de sua sabedoria.
Deveríamos fazer como eu fiz com o livro (sua morada) que mais me envolveu até hoje. O livro que sempre esteve lá na estante à minha espera e me fascinava, acima de tudo. Estava lá, corroído pelo tempo (como as figuras no quadro de Utrecht) e deixado por muitos até que chegasse até mim.
Antes de lê-lo eu olhava bem fundo nos olhos da morte, mas não via o brilho que aquele olhar lançava sobre mim.
Antes dele eu também não tinha medo de morrer, pois acreditava que estava fazendo com que minha vida valesse a pena.
Até que num certo dia caí em desgraça ao notar que estava sozinho observando todas aquelas pessoas naquele monte nevoento. O meu alicerce fora abalado.
Dessa forma, tomei uma iniciativa a partir daquele dia; arranquei aquele velho livro desbotado da estante e, para minha alegria, ele me abraçou. Me abraçou e me levou pra junto da história de seu amado.
Me entorpeci e me embalsamei numa história linda, mas que não me pertencia. Foi por isso, minha cara, que eu demorei tanto para me desvencilhar de seus encantos.
A culpa não foi sua, de Peter ou de Simmel. A culpa foi minha. Eu, que havia esquecido o que era ler uma obra tão acolhedora, pois fazia muito tempo que não deixava a fumaça e o concreto de lado para cobrir-me com o véu dos sentimentos e do "livre-pensar"...
Porque eu deveria ler-te, mas jamais deveria deixar de escrever minha própria história.
Fechei o livro e as lágrimas correram pelo meu rosto.
Quatro dias se passaram e meu pensamento me açoitava como um chicote:
"Porque, afinal, eu não tiro a história e, principalmente você, Andréia Rosner, da cabeça?
Porque eu não sigo adiante, munido de mais sabedoria e genialidade concedidos por Johannes Mario Simmel?
Porque me abalo tanto com toda aquela história?"
E, enfim, "porque eu estava tão enfraquecido e dependente?"
Mas ao chegar do trabalho numa Quinta-feira esquisita, sento-me de frente para o PC e começo a escrever sobre você. Como se isso fosse natural, como se eu soubesse o que brotaria daquelas teclas.
E, enquanto escrevia tudo aquilo, eu descobri que eu não estava enloquecendo! Eu descobri que sabia de maneira consciente e inconsciente que você não passava de uma personagem bem arquitetada e construída por um escritor tão sensível quanto eu. Pois, se sua história era real, como indicava uma nota no começo do livro, muitas coisas foram alteradas e o que havia lido, por certo, não seria totalmente verdadeiro. A dor e as saudades do livro estavam me deixando, enfim... Mas ainda não por completo.
Ali eu dava o primeiro passo.
Termino de escrever o texto. O salvo numa pasta repleta de meus "esforços literários". Navego na internet, entro na minha conta de e-mail e lá estão mais notícias de minha família! A tia que tanto amo finalmente tem meu e-mail!
Leio com atenção cada linda daquele conteúdo salvador e começo a chorar copiosamente. O conteúdo de tudo aquilo abrira ainda mais meus olhos diante da crise pela qual passava.
Eis o segundo passo.
Começo então o e-mail de resposta. Ali eu dava o terceiro passo, mas ainda não era tudo.
Isso porque, depois de um texto quilométrico e dividido em duas partes, tive que sair para pagar umas contas da casa. Saio a pé com minha irmã e começo a falar sem parar.
Esse era o penúltimo passo: era a demonstração que precisava para perceber o que aprendera com tudo aquilo.
O último passo, então, seria dado no restante da minha vida e, ao contrário do que pensava antes, tinha pouco tempo para concretizá-lo.
O livro, enfim, entrou para meu arsenal como a arma mais valiosa e eficiente até então.
Eu estava munido e bem preparado e, pela primeira vez, senti que tinha um exército comigo.
Um comentário:
o que direi agora?
não sei...
mas obrigada, obrigada por abrir minha mente para algo maior do que estou acostumada, por me fazer enxergar que sou dona da minha vida e que ainda sou capaz, não descobri quais são minhas capacidades, mas pelo menos sei que ainda vou conseguir...
tia mó
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